A(s) arte(s) africana(s) não existem na África
- Prof. Diego
- 28 de set. de 2023
- 3 min de leitura
Atualizado: 5 de out. de 2023
Como ainda utilizar essa nomenclatura simplista nas salas de aula pode reforçar estereótipos colonialistas
É comum, nas aulas de arte das escolas brasileiras, os alunos aprenderem sobre "arte africana".
Para nós, professores de arte, principalmente os formados em artes visuais/plásticas, também é comum termos durante a graduação apenas uma disciplina (às vezes apenas parte da disciplina) dedicadas a "arte africana".
Sendo assim, seja no âmbito da educação básica ou na educação superior, essas generalizações rasas e simplistas, que reforçam estereótipos e apagam toda a pluralidade, identidade e a historicidade das manifestações artísticas presentes em cada uma das regiões da África - que é o terceiro maior continente do mundo, ocupando 20% da área total do nosso planeta, 4 vezes maior que o Brasil - persistam, anos a fio.
Em 2011, durante o I Encontro Afro Atlântico na Perspectiva dos Museus realizado no Museu Afro Brasil, em São Paulo, o Diretor do Museu Nacional do Mali e liderança internacional em processos de repatriação de objetos, Samuel Sidibé afirmou durante a "Mesa redonda – Arte africana e o conceito de arte" que a noção de arte africana que o mundo tem é estritamente Ocidental.
Ele discursou que os primeiros colecionadores de arte não consideravam os objetos coletados na África como tal: foram artistas brancos que efetuaram tal transformação. Antes de Picasso, Gauguin, Modigliani e outros artistas europeus do século passado, a concepção de arte africana não era merecedora de tal designação. Até então, a África e seu povo eram tidos como menos evoluídos e sua arte considerada "primitiva", além do peso da política colonial que era exercida por todo o continente africano.
Sidibé ainda complementou que quando a Europa descobriu o valor da "arte negra", impactou fortemente a África, surgindo vários mercados de exportação de objetos africanos para colecionadores particulares, afinal se a Europa havia decretado que as produções africanas agora eram arte, elas passavam a ser interesse de muitos. Embora todo esse prestígio (mesmo com intenções financeiras), tenha caído sobre as produções artísticas africanas, segundo ele 80% da arte africana produzida até hoje se encontra na Europa e não existem referências de museus de arte africana na África, com exceção do Museu de Arte de Dakar. "A arte africana é feita na África, mas avaliada, discutida, exposta e vendida fora da África", finaliza Sidibé.
Desde então, esse termo generalista é utilizado para denominar toda e qualquer produção artística criada em solo africano. Por mais que muitos artistas defendam a África como uma unidade, a pluralidade artística e cultural do continente africano vai muito além de simplificações rasas e estereótipos colonialistas.
Existem cerca de 492 grupos étnicos no território africano que compartilham ao menos 36 línguas diferentes. Dessa forma, é impossível colocar toda a diversidade da produção artística africana em uma só nomenclatura singular e rasa. É necessário que se compreenda os contextos específicos de cada povo e suas produções.
Por isso, quando falamos sobre ARTES AFRICANAS e sua pluralidade, devemos, como professores mediadores do conhecimento, construir e debater junto com nossos alunos:
Por que nós falamos pouco sobre as artes africanas e sua diversidade?
Por que tratamos as artes africanas como primitivas e inferiores?
Por que reduzimos as artes africanas a máscaras e amuletos?
Por que as produções contemporâneas dos países africanos nunca é discutida?
Por que nos esquecemos do roubo identitário, estilístico e físico das produções africanas que a Europa fez e continua fazendo até os dias de hoje?
Por que existem mais produções artísticas expostas em museus fora da África do que dentro dela?
Referências:
GOLDSTEIN Seltzer. Relato para I Encontro Afro Atlântico na Perspectiva dos Museus. São Paulo. 2011.
BEVILACQUA, Juliana Ribeiro da Silva; SILVA, Renato Araújo da. África em Artes. São Paulo: Museu Afro Brasil, 2015.
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